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Se, no panorama mediático português, o triunfo do jornalismo
de merda é um facto incontestável, também é inegável que o campeão nacional
absoluto deste cada vez mais sórdido campeonato é a Sociedade Independente de
Comunicação (SIC) – isto é facilmente atestável pela reiterada liderança nas
audiências, ou seja, pelas preferências do mercado perdão, do
público pelo género.
Ora, as vitórias não se conquistam sozinhas. Qualquer
equipa vencedora precisa de alguém infinitamente capacitado que a dirija. A SIC
tem. Tem um presidente e enfim, toda uma classe dirigente. Mas,
sobretudo, tem um director-geral.
O presidente (ao qual já me referi aqui) é também o
fundador de todo o empório de empresas de entretenimento e comunicação, a
Impresa, da qual a SIC é apenas uma parte. O jornal “Expresso” é outra.
O director-geral é Ricardo Costa. É ele o
responsável por toda a informação do Grupo Impresa. Ele próprio é jornalista,
daquele género de jornalismo que não reporta factos porque os interpreta
sempre ao seu jeito auto-satisfeito, de pitonisa que rejubila com
a sua própria facúndia de advérbios e, sobretudo, de adjectivos.
É ele o special-one. É ele que escolhe os pontas-de-lança, os médios volantes,
os defesas centrais e até os apanha-bolas de uma equipa que não tem
concorrência, isto é, é ele que contrata os editorialistas, os comentadores, os
especialistas, os correspondentes, os enviados-especiais e até os
repórteres de rua do jornalismo-de-merda. É ele que decide do critério dos
destaques, da pertinência dos directos, da conveniência das entrevistas, da relevância
dos convidados e até, talvez, da griffe ou da lingerie das apresentadeiras.
É ele o cérebro, o mentor, da táctica e da estratégia de uma poderosa e
irredutível máquina de imbecilizar.
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A propósito de classe dirigente, quando me dispus a
ilustrar com outros tantos textos coloridos o meu álbum de 125 caricaturas “os
rostos da classe dirigente”, tive que me pôr em campo, a investigar.
E nas minhas pesquisas sobre o modo como estes sujeitos se vêem a si próprios e
como se apresentam, deparei-me com o facto surpreendente de quase todos eles
cultivarem uma curiosa e obsessiva fixação na genealogia e nos mistérios
das linhas, por vezes cruzadas, do parentesco. Um fenómeno que, receio,
seja quase tão caricato como revelador da perenidade de um certo espírito na
psique das nossas elites: cem anos depois da implantação da República e
cinquenta depois do 25 d’Abril, a nossa inefável classe dirigente
continua impávida, a nutrir o mesmo prurido de sempre por pergaminhos de antiga
fidalguia.
Para ficar apenas no universo da Impresa, o seu
próprio presidente, Francisco Pinto Balsemão, por exemplo, é um orgulhoso “trineto de um filho bastardo d' el rei D. Pedro
IV”; Maria João Avillez, antiga jornalista-vedeta do jornal
Expresso, é a ufana filha de um senhor que “é bisneto
do 8.º Conde das Galveias e trineto do 1.º visconde do
Reguengo e 1.º Conde de Avillez, e de sua mulher que é prima
de Sophia de Mello Breyner. É irmã da jurista e antiga política
centrista Maria José Nogueira pinto, cunhada de Jaime Nogueira Pinto
e prima-irmã da mãe do jornalista Martim Avillez Figueiredo”, e José Miguel Júdice, actual
comentador na SIC-notícias, é o garboso filho de um senhor “de
ascendência italiana por quatro linhas, uma delas por varonia, e de ascendência
holandesa por duas linhas, e de sua mulher, de ascendência espanhola, britânica
e italiana, sobrinha-neta por via matrilinear do primeiro visconde de
Leite-Perry.”
Este não é, no entanto, um fenómeno circunscrito à facção
mais, digamos assim “à direita” da nossa classe dirigente - também
afecta personagens insuspeitadas, até associadas à maçonaria e ao velho
republicanismo. O poeta Manuel Alegre, por exemplo, é o satisfeito “neto
paterno da primeira baronesa da Recosta, filha do primeiro barão de Cadoro e de
sua primeira mulher, filha do primeiro visconde do Barreiro”.
Gostaram? Não
é tão ternurento? Quase tanto como constrangedor. São
coisas destas que reforçam o sentimento de que não há força que retorça
os reais fundamentos de uma nação velha e relha como a nossa.
Mas ainda descobri mais. E este é um facto novo - mais um que
também corrobora o poeta Camões quando ele diz (à sua maneira, claro) que ah
e tal nesta choldra tudo muda a toda a hora menos as mentalidades - atenção,
por tanto, sociólogos que me leis.
Em Portugal ninguém diz que é comunista. A menos que o
seja, claro. Ser comunista em Portugal nunca foi um bom quesito para arranjar
emprego nem, muito menos, para ter posição. A verdade, porém, é que (e
este é que é o facto sociológico novo) ser filho-de-comunista é completamente
diferente. Agora é pergaminho recomendável, tesourinho genealógico,
eu sei lá, dá “pedigri” para as mais altas esferas ou posições
(é evidente que isto não é para todos os filhos dos comunistas. Os felizes
contemplados são apenas aqueles que juram a pés juntos e com as mãos postas
que a OTAN é uma organização pacificódefensiva, que comprovadamente
viram a luz do liberalismo e dos santos mercados e que abjuraram
publicamente as convicções paternas, como é óbvio). O actual primeiro-ministro,
por exemplo, é um filho-de-comunista; o actual ministro das finanças também; e
o actual presidente da Câmara Municipal de Lisboa idem, e ainda há
muitos mais, no público e no privado (não do mesmo comunista, claro, que os
comunistas também não são de ferro). É também o caso de Ricardo Costa,
o senhor director-geral da informação perdão, do jornalismo-de-merda
do Grupo Impresa, (mas este é realmente uma excepção: o autor dos seus dias por
acaso é mesmo o mesmo comunista que inventou os do actual
primeiro-ministro).
Mural da História - em jeito de nota-de-roda-pé mas em
francês (com perdão ao poeta Luiz Vaz e aos leitores mais sensíveis):
se há comunistas que podiam bem ter feito uma
punheta, também há comunistas que bem podiam ter feito duas.
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3 comentários:
Há anti-comunistas bem colocados que se apresentam orgulhosamente como filhos de comunistas; bom tema para um doutoramento.
Parabéns meu Caro Fernando.
Excelente texto, tem tudo o que me apraz dizer sobre esses idiotas dos anticomunistas que se dizem filhos de comunistas.
Infelizmente um dos citados é filho de um grande jornalistas e comunista da minha terra.
Abraço
Gostei. Muito
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