.

segunda-feira, 29 de junho de 2020

A Figueira do É primo e o turismo da Joana


.
Na minha aldeia
não há ódios, mas estimas
tem-se amor pela vida alheia
todos são primos e primas

Silva Tavares

Há quase um ano publiquei aqui um texto no qual, a propósito do infeliz estado de indecorosa bizarria em que se encontra o Forte de Stº Catarina, exprimi algumas perplexidades em relação ao peculiar apreço pelo património que nutrem as forças vivas figueirinhas. Como parece que só eu reparo em certas merdas (ou, pelo menos, só eu o escrevo, tornando públicas as minhas perplexidades) não estranhei que não fossem partilhadas por mais ninguém, nem na imprensa local nem nas redes sociais. Se mais ninguém se indigna, é porque estará tudo bem. Eu é que devo ser demasiado hiper-sensível à fealdade e à estupidez.
.
Quase um ano depois, porém, tudo indica que essa perplexidade não é apenas minha - chegou finalmente à assembleia municipal, pela boca da deputada Maria Isabel Sousa, do PSD.
Pelos vistos a deputada também partilha a minha estranheza perante essa espécie de inimputabilidade vitalícia de que goza o indescritível Tennis Club da Figueira da Foz. Arrendatário do terreno anexo ao forte de Stº Catarina desde 1930, este imarcescível club particular comporta-se na realidade como o proprietário, um proprietário abusivo, que faz obras (sempre de utilidade discutível e invariavelmente de gosto duvidoso) na casa do vizinho, um monumento nacional. E faz isto diante de todos, a toda a hora, sem licença mas com autorização e impunidade, desde os mesmos anos trinta do século passado.
.
Mas talvez tudo isto se explique porque este inenarrável club, de cunho muito mais recreativo do que propriamente competitivo, é um club selecto, mui selecto – exclusivo - de boas famílias, enfim as melhores, da classe dirigente local. E como entre primos e primas o privilégio do mando é hereditário e natural (como a diabetes, as pratas e o mau-feitio) a presidenta do club é Joana Aguiar de Carvalho, filha do antigo presidente da Câmara com o mesmo apelido.
.
E como na Figueira não há ódios mas estimas, se o pai foi agraciado com um busto à porta do município - depois de ter entregue a cidade numa bandeja à cupidez dos patos bravos da construção civil - a filha também.
Também foi agraciada - com um lugar no Conselho Municipal de Turismo, em representação da Assembleia Municipal, da qual nem sequer faz parte. Presumo que os serviços prestados pelo club a que preside não hão de ter sido estranhos a tão notória distinção. Assim como o facto, não despiciendo, de ter sido administradora desse ícone da administração pública figueirinhas que foi a Figueira-Grande-Turismo.
.
Na Figueira, a minha aldeia neste país paroquial e imemorial, quem realmente manda premeia sempre quem realmente se distingue, e mainada. No mais, tem-se amor pla vida alheia. E todos são primos e primas - ou tios e tias - ou padrinhos e afilhados. E fica sempre tudo bem.
.

2 comentários:

LFidalgo disse...

Muito bom . Olhe que cada vez mais as pessoas se vão insurgindo contra o situacionismo latente na figueira .O forte e agora as obras ao lado do ténis são o exemplo do que não se deve fazer mas há grupos que se acham no direito de serem DDT .
Quis partilhar e o face não deixa porque houve pessoas que denunciaram como tendo conteúdos abusivos .

Unknown disse...

Excelente a escrita, a notável ironia, a acutilância elegante, mesmo que possa não acompanhar nalgumas críticas.