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Numa das habituais reflexões com que tenho por hábito ilustrar os pobres
desenhos que edito neste blogue, enunciei uma vez que o humor consequente não
é moral nem imoral, é amoral; isto é, move-se em terrenos
do senso comum, não da moral, que é um dos domínios do preconceito. Não me
ocorreu, no entanto, acrescentar que também penso que, mesmo que se mova no
amplo mar do senso comum, nunca o humor aí deve navegar à bolina; ao invés,
deve fazê-lo sempre ao contrário: sempre contra os ventos dominantes e sempre sempre contra a corrente. Sob o
risco de se tornar previsível, redundante, consensual. recomendável. E não há
nada mais pífio e frouxo do que o humor recomendável.
Luís
Afonso é o humorista gráfico mais recomendado, disputado e requisitado pelos
editores do humor publicado em Portugal.
Trabalha diariamente para uma porção de jornais e outras publicações (o
que dá a sensação de que não existe no país mais nenhum outro humorista gráfico
no activo), mas agora está literalmente em todo o lado, incluindo na rádio e na
televisão.
E
o que faz o trabalho de Luís Afonso tão recomendado e recomendável?, perguntais vós.
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Pois bem, não são certamente os seus méritos estritamente gráficos, suponho (o
desenho e tal) - como o próprio, aliás lucidamente, reconhece. Esmiucemos então
o seu humor padrão, digamos assim.
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O humor de Luís Afonso tem aquele jenesécoá que não ata nem desata, não torce nem amola, não incha nem
desincha, não aquece nem arrefece, não adianta nem atrasa, não chove nem molha
e não cheira nem fede que se consubstancia num apreço tão óbvio pelo “incontornável” que o
torna previsível e redundante e por isso tão consensual, amável, e sobretudo tranquilizador, para os directores e chefes de redacção dos jornais
em que publica (para eles é um descanso, porque sabem que dali nunca há-de vir
melindre na caixa de comentários, nem indignação nas redes sociais, nem
telefonema lá de cima, nem processo
judicial).
A sua Mosca, à qual é impossível escapar (se não a apanhamos na
rádio apanha-nos na televisão), é o exemplo acabado e irritante de uma irreverênciazinha mole,
uma sátirazinha inócua e uma ironiazinha pífia com moralzinha edificante e
rematezinho sentencioso que não só não me faz rir como me enfurece; e nem
sequer me faz pensar – a não ser que Luís Afonso é o caso ilustrado do cómico
da situação.
Porque,
confesso, o que realmente a mim me tira do sério (me faz rir) é quando o
imprevisto, o incongruente, o abrupto, o grotesco, o irracional, o equívoco, o
bizarro, o obsceno e exagerado absurdo do não sentido de coisa nenhuma atropela
à força toda o senso comum das certezas absolutas.
Como
um peido num funeral. Ou uma vuvuzela num concerto de violinos; ou vice-versa.
Ou
como uma Kizomba no panteão nacional. Ou um assassinato num conselho de
administração; ou vice-versa.
Ou
como um hipopótamo no lago dos cisnes. Ou um terramoto em Fátima; ou
vice-versa. Sei lá.
Enfim,
aquele humor que é um remédio do qual Siné dizia qui fait mal et ça fait du bien.
Não este cómico da situação, esta espécie de placebo xaroposo que prescreve Luís Afonso.
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1 comentário:
Humor branco...
Em tempos teve cor...
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