.
Dominam-se mais facilmente os povos
excitando as suas paixões do que cuidando dos seus interesses.
Gustave Le Bon
.
O
poder, o grande poder, revela a dimensão ou a substância dos homens que
o exercem. O poder local também. Dito de outro modo, se o poder corrompe e o
poder absoluto corrompe absolutamente, como dizem, suponho que o poder local
também corromperá, ainda que relativamente. Mas isto sou eu a pensar alto,
claro.
A verdade é que, como referiu o grande Voltaire, “a única forma de lutar contra o poder é tentar sobreviver-lhe”. E é o que modestamente eu vou fazendo, com as minhas tamanquinhas, que são o desenho, que pratico a traço fino, e o sarcasmo, que sublinho com o grosso. O facto de nunca jamais fazer, nem aceitar, favores ou jeitinhos também tem contribuído, senão mais, para manter a espinha direita.
A verdade é que, como referiu o grande Voltaire, “a única forma de lutar contra o poder é tentar sobreviver-lhe”. E é o que modestamente eu vou fazendo, com as minhas tamanquinhas, que são o desenho, que pratico a traço fino, e o sarcasmo, que sublinho com o grosso. O facto de nunca jamais fazer, nem aceitar, favores ou jeitinhos também tem contribuído, senão mais, para manter a espinha direita.
.
Todavia,
no exercício do poder, certamente inspirados por um certo florentino
renascentista, os nossos autarcas têm sempre o cuidado de jamais “levar
a nobreza ao desespero nem o povo ao descontentamento”; ó
contrére,
como dizem os americanos, quando querem parecer cultos e viajados.
Rui Ferreira, o presidente da Junta de Freguesia
de Maiorca é o príncipe perfeito local. Não é ainda um autarca-modelo (está lá há pouco tempo) mas já é
um autarca de marca. Eleito por poucos votos, ele jaz na sua cadeira
de sonho e
traz sempre o povo nas palminhas (da nobreza nem falar).
A
sua marca, e missão confessada, é “contentar” a todos. Desde que não se
prejudique muito, como é óbvio.
.
Conhecedor
do que a casa gasta, isto é, da predilecção popular por variadas profanidades
como a libação etílica e pantagruélica (o comes-e-bebes), o bailinho lúbrico e
o foguetório, mas também pla cegada saudosista (para um certo bom-povo, o
passado é um lugar radioso), Ferreira não olha a custos para satisfazer a
demanda do seu mercado. Ele é desfile de carroças, com burros e tudo; ele
é o passeio das pasteleiras, o meio de transporte do antigamente
(que
pitoresco); ele é a recriação da colheita do arroz com trajes à
antiga
(que lindo) e, claro, a “vertente gastronómica, mas sobretudo “a vertente
cultural”, com muita música pimba e até di-jeis e tudo, para também agradar aos
jovens, esse nicho exigentíssimo.
.
Altamente
patrocinado pla Câmara Municipal (que paga o pato) e certamente aconselhado
pelo seu mentor, o vereador e grande conhecedor da alma humana Carlos Monteiro,
Ferreira também deve achar que “o reviver de hábitos e
tradições correu muito bem e, quando tem retorno, aumenta a auto-estima”. Por isso mesmo a aposta na FINDAGRIM é para continuar.
.
É
necessário ressalvar aqui que a Feira Industrial e Agrícola de
Maiorca é
um evento já com alguns anos e o único (!) no concelho consagrado à “industria”
- o que, se diz muito das associações do sector e dos poderes públicos
concelhios também aumenta exponencialmente a auto-estima dos maiorquenses e torna
o facto duplamente pitoresco pois em Maiorca as únicas actividades vagamente
aparentadas com “industria“ que eu conheço são uma padaria, uma oficina de
automóveis e uma serralharia que tem dois ou três funcionários e fica a
duzentos metros de minha casa; havia também uma oficina de motoretas com um
funcionário mais idoso do que o dono; quando este morreu deixei de ver ambos e
a loja fechou para sempre, já há uns anitos.
.
Maiorca é essencialmente rural,
agrícola - isto é, tem a monocultura do arroz, mecanizada e em latifúndio, e a
plantação intensiva
do eucalipto, igualmente tenaz e em pequenas parcelas - mas os grandes
empregadores da região são a Cruz Vermelha, o hospital distrital e a câmara
municipal. Isto cria um fenómeno novo, uma espécie de gentrificação
rural ou às avessas,
muito bem diagnosticado por Rui Ferreira em entrevista à “Foz ao minuto” (a partir do mn 13.06)
“nós aqui sempre fomos
zona agrícola, o que faz com que não nos permitam a construção a bom-prazer,
não é?, eu gostaria se calhar de ter uma casa em cada terreno que tenho (não é
que tenha muitos) mas se calhar não me vale nada os terrenos que tenho porque
não posso construir, o que faz com que a juventude se desmobilize e vá viver
para outras zonas… e vamos descaracterizando a freguesia de gente jovem(…).
.
Por tudo isto, hoje em dia em Maiorca não se cultiva, nem se
constrói, nem se faz porra nenhuma.
Mas tudo se há-de arranjar – naturalmente, claro.
Porque o que realmente interessa mesmo é que ”para o próximo ano, Rui Ferreira quer
que a FINDAGRIM “continue a ser uma festa do povo” mas que, ao mesmo
tempo, tenha uma preocupação maior com o público mais jovem. “Em primeiro
lugar vou ouvir todos os expositores, que nos têm vindo a apoiar, de forma a
podermos melhorar. Mas posso adiantar que vamos continuar a ser uma festa do
povo com associações envolvidas e com uma aposta no cartaz de cariz popular,
com cantores «pimba». Vamos tentar também agradar à população mais jovem, como
é óbvio”.
.
Salazar é
que a sabia toda - foram muitos anos a assar frangos - nunca levou a nobreza ao
desespero nem o povo ao descontentamento (descontentes, se os havia, eram
poucos - em verdade, nunca chegaram aos dez por cento - e, a bem dizer, eram quase
todos comunistas) – porque para ele, “os
homens mudam muito pouco e então os portugueses quase nada".
.
2 comentários:
Muito bom texto e óptima caricatura (como sempre)
Na mosca. Muito bom!
Enviar um comentário