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segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

A Fonte

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No texto (aviso) que coloquei ao dispôr do público da minha exposição Achados & Caricaturas (até ao fim do mês, no Tubo d’Ensaio d’Artes, na Figueira da Foz) anunciei, “em exclusiva première mundial”, a apresentação de “dois quasi-ready-made, cúmulo artístico das minhas recentes elucubrações no domínio do pensamento mais puramente conceptual que são outros tantos comentários à contemporaneidade”.
Um deles é o da foto acima.
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Trata-se de uma paráfrase da célebre “Fountain” de Marcel Duchamp, obra que foi recusada  na primeira exposição da Sociedade dos Artistas Independentes de Nova Iorque em 1917 e desapareceu desde então. Apenas as réplicas, certificadas pelo artista nos anos 60, são apresentadas hoje em dia em exposições. Uma delas foi adquirida em 1999 pelo milionário grego Dimitri Daskalopoulos por $ 1,762,500 (1,677 milhão de euros). O feliz proprietário terá declarado então que para ele - o mictório que Duchamp adquiriu em 1917 por três ou quatro dólares no armazém da sociedade J. L. Mott Iron Works - representava "a origem da arte contemporânea". Em Janeiro de 2006, estimava-se que a obra valeria cerca de 3 milhões de euros. 
Trata-se, por tanto, de uma obra seminal.
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Já a minha Fonte, pode não ser seminal mas não deixa por isso de ser, conceptualmente, um pertinente “comentário à contemporaneidade”.
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Trata-se, segundo o cânone de Duchamp, de um ready-made aided ou seja, ajudado, compósito: uma latrina (que não comprei em Nova Iorque) em cujo interior depositei um espelho (que comprei nos chineses) e assinei, em baixo.
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Não me cabe, é claro, elucidar o público sobre óbvias, possíveis ou rebuscadas interpretações do seu putativo significado obsceno ou escatológico, psicanalítico, político ou filosófico ou até artístico. São deduções que julgo do arbítrio exclusivo de quem vê.
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Não deixo contudo de fazer notar que a minha Fonte é também uma surpreendente obra interactiva.  Reparem. Vejam bem: o que dela brota é o olhar que a perscruta, ou contempla. Um manancial inesgotável, portanto. Mais ou menos como a Arte Contemporânea.

Pensem nisso. A arte, segundo o tio Marcel, não é coisa retiniana
É cosa mentale, dizia Leonardo que também era danado para a brincadeira.

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1 comentário:

Guilherme da Fonseca-Statter disse...

Isto dava para múltiplas divagações (mais ou menos oníricas e de preferência com uma boa aguardente...) sobre o que determina o valor (e o preço) daquelas coisas do Duchamp...