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Confesso que apesar de já ter alcançado a maturidade conservo ainda, como muitos da minha idade, alguns hábitos de infância. Para
além de trazer sempre um canivete no bolso, como quando tinha a idade de Tom
Sawyer, continuo um recolector de acasos.
E também coleccionador. Não é raro, ainda hoje, chegar a casa com os bolsos cheios de acasos, que acho no meio do caminho, em
forma de objectos estranhos ou inusitados.
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Alguns destes objectos, transfigurados pelo tempo, pelo acaso,
pelo desprezo e por outros agentes involuntários adquirem amiúde, sem muito
esforço de imaginação, significados, ou identidades,
surpreendentes.
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No caso em apreço esses significados, ou novas identidades, transcendem
tão sinteticamente a forma e utilidade originais do objecto que resumem toda uma
época: o tempo presente – e é aqui que me sinto uma espécie de agente de uma
estranha arqueologia – este achado
podia bem ser um retrato ou, como agora dizem nos jornais, um ícone dos dias que passam: os da coêlha, ou do coelho ou, melhor ainda, do
burro (o vulgar cretino hodierno, esse inefável apreciador da palha líquida, a bejeca).
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Quanto aos anos (estes que vivemos) já não são de chumbo mas de simples lata - a substância dos objectos, helas,
não se transfigura - senão eu, em lugar de simples recolector, ter-me-ia feito também alquimista.
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