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Estive em Sines. Festival de Músicas do Mundo, dizem
eles.
Três dias bem passados (muita boa música e outra que nem tanto) que foram
uma revelação. Julgo ter descoberto finalmente porque nada muda neste país: o
acrisolado amor da juventude portuguesa pela navegação em água choca, à bolina.
Eu explico.
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À semelhança de outros festivais de Verão o de Sines, supostamente
de músicas alternativas e sem rótulo,
também é promovido por uma marca de bejecas - o seu logo rutila, luminoso, no interior das muralhas da casa de Vasco da
Gama, o seu castelo e palco da ocorrência.
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Ao contrário da minha geração para quem, em eventos do
género, a opção óbvia era furtiva e por substâncias voláteis e proibidas, a
este festival acorre uma outra que exibe, a céu aberto, uma afirmativa preferência
pelo consumo imarcescível de substâncias entorpecentes líquidas - sobretudo por uma,
alcoolizada, gaseificada, amarela e autorizada. Transportam-na deleitados, ao
sol, pelas ruas, pela praia e até durante os concertos, em garbosas e ambarinas litrosas que partilham a toda a hora em
equitativos copinhos de plástico - é nessa espécie de caldo amniótico açucarado
e viscoso que marinam, durante os dias do festival, os cerebrosinhos de toda uma
geração que nada questiona e nada quer mudar - o que a move não é a insatisfação ou a luta; é o querer esquecer, a simples evasão.
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Não admira pois que todo este beautiful people fique indiferente às provocações assertivas do sarcástico
e genial Socalled, ao verbo barroco do brasileiro Lirinha ou aos conselhos avisados
do venerável Hugh Masekela, por exemplo, mas exulte num transe eufórico e colectivo
à mais pequena distorção, curto-circuito ou aumento de decibéis.
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É aliás o
mesmo transe hipnótico e embrutecido que o faz, au petit matin (às quatro da madrugada), caiar de mijo infecto a
muralha do castelo e pavimentar de vomitado ignóbil o calçadão da praia; enfim,
são os custos da abulia colectiva - que não parece perturbar muito os pruridos de
higiene pública dos poderes instituídos – o alto-patrocínio da marca das bejecas deve compensar todos os
incómodos e até as despesas.
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Aos leitores precipitados: não sou dos que pensam que no meu tempo é que era. Nada disso. A
minha geração, por exemplo, é o caso típico de uma geração que nunca o foi: uma geração que se deixou
representar por um José Sócrates, um Passos Coelho, um Relvas, um Viegas ou um Paulo Portas. Um verdadeiro
coio de indigentes, portanto. O meu lamento é a constatação límpida que esta vai pelo
mesmo caminho: o da evasão e do esquecimento.
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A foto que ilustra esta posta tirei-a numa rua de Sines esta semana. Creio que ilustra também,
de certo modo, o ponto em que estamos. Todos.
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2 comentários:
Durante o outro fascismo os jovens não se apercebiam da situação em que viviam e foi com muito trabalho nosso, nem sempre compensador, que alguns tomaram consciência de que não viviam em liberdade. Hoje pensam que isto é liberdade e muito lentamente vão aprendendo que a carta de alforria lhes foi confiscada.
Sugiro que o aviso (Aos leitores precipitados) passe a bold
(acho que vou "roubar-lhe" a foto, não sei...
não sei ainda o que lhe farei)
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