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terça-feira, 3 de abril de 2012

Marcel Duchamp




“Em 1913 tive a feliz ideia de fixar uma roda de bicicleta a uma banqueta de cozinha e vê-la girar.
Alguns meses depois, comprei uma reprodução barata de uma paisagem de entardecer de inverno, que denominei “Farmácia”, depois de lhe acrescentar duas pequenas manchas, uma vermelha e uma amarela, no horizonte.
Em Nova York, em 1915, comprei numa loja de ferragens uma pá para neve, sobre a qual escrevi “In advance of the broken arm”.
Foi nessa época que a palavra “readymade” me ocorreu para designar essa forma de manifestação.

Um ponto que quero deixar bem claro é que a escolha desses “readymades” jamais foi ditada por razões de deleite estético.
- A escolha baseava-se numa reação de indiferença visual, bem como, ao mesmo tempo, de total ausência de bom ou mau gosto – de facto, uma completa anestesia.
Uma característica importante era a frase curta que eu ocasionalmente anexava ao “readymade”.
- A frase, em vez de descrever o objecto à maneira de um título, pretendia levar a mente do espectador para outras regiões mais verbais.
Algumas vezes, eu adicionaria um detalhe gráfico de apresentação, o qual, a fim de satisfazer minha ânsia por aliterações, seria chamado de “readymade aided” (“readymade ajudado, melhorado”).
- Noutras ocasiões, tentando expor a antinomia básica entre arte e “readymades”, imaginei um “readymade recíproco”: usar um Rembrandt como uma tábua de passar!
Muito cedo me dei conta do perigo de repetir indiscriminadamente essa forma de expressão e decidi limitar a produção anual de “readymades” a um número pequeno. Reparei, nessa época, que, para o espectador e mais ainda para o artista, a arte é uma droga que conduz ao hábito, e quis então proteger meus “readymades” contra tal contaminação.

Outro aspecto do “readymade” é a sua ausência de exclusividade. Qualquer das réplicas dos “readymades” que existem hoje em dia não é um original no sentido convencional do termo.

Uma observação final sobre este discurso egomaníaco: desde que os tubos de tinta usados por um artista são produtos manufacturados e pré-fabricados (“readymade”), devemos concluir que todas as pinturas do mundo são “readymades aided” e também obras de colagem.”


Marcel Duchamp,1961
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