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sábado, 8 de janeiro de 2011

A obsessão francesa dos figueirinhas


É sabido que existem soluções tradicionais da arquitectura popular que, tarde ou cedo, se integram no vocabulário académico da arquitectura “culta”. Assim, conceitos oriundos da construção popular dos mais diferentes países estão hoje plenamente integrados no vernáculo comum dos arquitectos de todo o mundo. Por exemplo, o “pátio” espanhol, ou o “mezzanino” italiano. Ou a “mansarda” francesa. Os franceses contribuíram também com aquilo que chamam pomposamente “le balcon” e não passa de uma sacada com balaústres que nós chamamos simplesmente “varanda” (“vèranda” chamam eles a uma esplanada, mas já lá irei).
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A marquise
Em Portugal, em função das especificidades locais, alguns destes conceitos depressa se transformam noutra coisa. Os portugueses são como os americanos, sempre em demanda de mais espaço habitável; só que enquanto os camones procuram noutros planetas, os tugas fazem-no em sua própria casa. E assim descobriram as varandas. E o que fizeram? – Criaram um novo conceito. Envidraçaram o “balcon” dos franciús e voilá, assim nasceu a “marquise” - é verdade que qualquer solução inovadora só adquire validade e verdadeiro estatuto se for caucionada pelo prestígio – a “marquise" mais famosa do país é a de um andar na travessa do Possolo em Lisboa, residência familiar do presidente da república.
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Na Figueira da Foz, não desfazendo, a iniciativa popular também tem contribuído de forma assinalável para o património universal da arquitectura. A idiossincrasia local, a necessidade, a falta de espaço, de jeito, e os vários tipos de constrangimentos (imobiliários, climáticos, legais) levaram os figueirinhas mais entrepreneurs a criar conceitos originais que aos poucos também vão fazendo o seu caminho. Senão vejamos:
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O “recuado”
No boom da construção dos anos oitenta, limitados pela restrição legal quanto ao número máximo de pisos, os figueirinhas construíam os edifícios segundo o projecto aprovado e, depois da vistoria, acrescentavam-lhes um outro andar no cocuruto, mais recuado (para não ser visível da rua). Assim nasceu o “recuado”.
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O “avançado”
Com a crise do cash flow e o preço do espaço habitável pela hora da morte (a selvajaria do imobiliário), os restaurantes figueirinhas não tem onde meter os seus clientes (se há ramo imune à crise, é o da hotelaria). Eis senão quando descobrem, mesmo à sua frente, as esplanadas (as “vérandas” dos franciús).
Primeiro, começaram por dotá-las de simples coberturas e finalmente por complexas estruturas envidraçadas, como já tinham feito com as varandas (os “balcons” dos franciús).
É nessa espécie de aquários ou marquises, ao pé da estrada, que os figueirinhas mais gourmets gostam de ser apreciados degustando os sofisticados tesouros do terroir local, como os secretos de porco preto, a alheira assada ou as francesinhas. Foi assim que nasceu o “avançado”.
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O “avançado” infiltrado ou interior
Como já referi acima, os fenómenos culturais só alcançam a consagração quando recebem a unção do prestígio. Em França, actividades bastante desconsideradas, ou mesmo mundanas, como a banda-desenhada ou a alta-costura atingiram o estatuto e o prestígio de “alta cultura” quando Jack Lang (o António Tavares dos franciús) lhes ofereceu a dignidade de um museu.
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Foi o que aconteceu com o “avançado”. Acaba de entrar no CAE, esse templo da cultura. Pela cozinha. Quero dizer, pelo restaurante. Mas pela mão do vereador da Cultura (o jaquelangue dos figueirinhas). É a consagração.
Eu explico: o novo concessionário do restaurante daquele “equipamento”, certamente com a caução do vereador da tutela, resolveu “crescer para dentro”, isto é, introduzir o dito “avançado” no interior do CAE, em pleno pátio, sob o mezanino das exposições. A esplanada já ocupa um quarto do seu jardim coberto. Só falta envidraçá-la.
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É assim. Cada terra tem a cultura e o Jack Lang que merece. E a política e o Miterrand que merece. Este também mandou fazer uma marquise no Louvre (mas deu-lhe a forma de uma pirâmide, que é a forma que, desde Champollion e Bonaparte, cristaliza o pavor do esquecimento dos mandatários gauleses). Pensando bem, o nosso Miterrand, o Dr. Ataíde, é um espírito simples, muito menos florentino, já se libertava do esquecimento se repusesse o coreto no jardim. Qual quê.
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Ou seja, quem não tem cão, caça com gato. Ou, como diriam os franceses: “Celui qui n’a pas de chien, chasse avec le minou”.
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2 comentários:

Olga Tronchuda disse...

Ó xô Frenando, olhe que feisse tá mal escrivido. Inscreve-se FEIÇE.

Fernando Campos disse...

Bem sei,nha senhora.
É que eu ainda não aderi ao acordo ortográfico.