.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

A cultura popular

Por vezes, as verdades que temos como adquiridas são confrontadas com factos, brutais, que as desmentem com a força toda de um uppercut da direita, um inesperado golpe baixo ou uma paulada na tola.
Pensava eu que a chamada cultura popular, e mais resumidamente a música dita pimba era uma reacção, espontânea como todas as reacções populares, à sofisticação e complexidade da música e da cultura ditas eruditas - uma espécie de contra-cultura. Pensava eu, pobre ingénuo (e não estava sozinho com certeza) que o sucesso deste género musical tão elementar como vulgar era unicamente devido à predisposição natural do povo baixo para a abjecção, a ligeireza e o pouco esforço intelectual.
.
- Pois bem, não. Nada mais errado. Recentes constatações revelaram que o pimba tem sido subvencionado, de norte a sul do país, por autarquias de todas as cores, feitios e medidas (e perdoem-me as pessoas que ficaram esquecidas). Vozes autorizadas afirmam mesmo que este é um financiamento ilegal; o que torna muito mais do que duvidoso o seu tão propagado sucesso comercial. Isto é um balde de água fria no caldo morno das verdades adquiridas e pode indiciar que o povo come, não porque gosta mas sobretudo porque é à borla. O que, helas, também pode ser bastante elucidativo da estirpe da nobreza do povo desta nação valente.
.
Contudo eu tenho para mim que o povo come o que come não porque tem fome e é de graça, mas sobretudo porque gosta de o comer. Os políticos de turno apenas lhe servem o prato cheio. Penso mesmo que essa vontade de comer e esse afã de servir perfaz aquilo que me atrevo a chamar um caldo de cultura alarve em que marinam todos, eleitores e eleitos. Só isso explica que o novo poder autárquico figueirinhas não tenha retomado um festival internacional de cinema de autor ou um festival de música clássica dirigido por Sequeira Costa, subsidiados por Aguiar de Carvalho(1) e muito criticados por serem elitistas, e tenha continuado a política de Santana e sus muchachos ou seja, a aposta estratégica no glamour do pimba. Senão vejamos: recentemente o mui distinto vereador da Cultura, em solene e compulsiva contenção de despesas, recusou energicamente um subsídio de 4.500€ à quase bi-centenária Filarmónica Figueirense (para restauro do palco da colectividade) e uns dias depois doou generosamente oito mil a uma tal de comissão de festas da Srª da Encarnação para pagar ao Quim Barreiros.
.
Ao povo pois o que o povo gosta.
Parece que gosta de engenhosas e sofisticadas melodias a acompanhar versos brancos ou de pé quebrado em voluptuosas rimas com múltiplos, muito subtis e inesperados sentidos. Ah, e tudo sublinhado com o cheirinho atrevido de uns refinados riffs de acordeão.
.
(1)-Político figueirense cujo legado eu esculhambei(2) voluntária, copiosa e infamemente neste post e ao qual estranhamente, ou talvez não, não registei qualquer reacção indignada por parte dos seus numerosos herdeiros e admiradores.
O que pode dizer muito da real relevância da cidadania na blogosfera figueirinhas ou, mais simplesmente, quão residual é, de facto, a influência deste blogue.
.
(2)-(adoro este verbo; só uma língua como a portuguesa tem palavras assim feéricas e gráficas de tão... visuais.)
.
.

1 comentário:

Olímpio disse...

Gosto do povo e sou pela sua simplicidade,mas esta cantiga do Quim Barreiros,que só agora escutei,tem uma letra pobre e altamente prejorativa para os simples da nossa vida.Fiquei bloqueado com esta musica estupida e sem gosto,porque o povo não deve ser assim tratado por estes novos ricos que o Abril produziu em quantidades industriais.O povo tambem tem culpa em aceitar estas merdas,que letra nojenta...