.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

o colhão do generalíssimo


Desenhar é uma maneira de compreender o mundo. Os velhos mestres orientais advogavam que o exercício do desenho das coisas simples e das suas formas potencia um entendimento mais profundo da sua verdadeira natureza. Eu penso que deve ser isso a Arte.
Esta revelação fez-me lembrar Picasso e o seu sueño y mentira de Franco.
Em Janeiro de 1937 (o ano de Guernica), Picasso criou uma série de 18 gravuras destinadas a serem impressas em forma de cartão postal e vendidas a favor dos soldados da república espanhola. Nesses desenhos, concebidos quase como uma “estória de quadrinhos”, está já a génese gráfica do que viria a ser Guernica. Neles, Franco é escarnecido e caricaturado de várias formas. Contudo, o segundo desenho é o que me trouxe à memória este sueño y mentira de Franco.
O caudilho é aqui retratado como um estranho tubérculo que, com uma espada numa mão e uma espécie de cometa ou nuvem (uma versão derisória do espírito santo?) na outra, transporta na ponta do seu descomunal membro viril um pendão religioso (o generalíssimo via-se como alguém que chefiava uma cruzada, guiado pelo espírito santo). Segundo Josep Palau y Fabre (um dos mais conhecidos conoiseurs de Picasso), a dimensão exagerada do membro e dos testículos era o mais difícil de interpretar nesta gravura. Todavia é sabido que em Espanha a masculinidade (a hombridade) era, e ainda é, valorizada muito acima de outros atributos. Era mesmo a única “virtude” que nunca tinha sido regateada a Franco.
Mas Picasso era um demiurgo, alguém capaz de revelar a verdade mais intrínseca através do exagero e da desmesura de um simples desenho satírico. Não foi aliás ele mesmo que disse que “a arte é uma mentira que serve para mostrar a verdade”?
.
.

Sem comentários: