Tal como Luís Buñuel, eu acredito no acaso. E no mistério. E desconfio da ciência - “parece-me pretensiosa, analítica e superficial. Ela ignora o sonho, o acaso, o riso, o sentimento e a contradição, tudo coisas que me são vitais.”*
Quando comecei o esboço deste desenho, propunha-me fazer o retrato (ou caricatura) do Padre António Vieira. Não sei por que acaso, lapso freudiano ou acto falhado, surgiram-me, pouco a pouco, traços que sugerem um outro Vieira: Luandino.
Para alguns puristas e literatos da lusitânia, pode parecer inusitada, abusiva e descabelada esta minha involuntária associação. Serão decerto os mesmos que se arrepiam com a parcimónia de Saramago com as vírgulas; ou que acham que Camilo, Aquilino ou Guimarães Rosa são escritores menores, ou regionais. Estes senhoritos acreditam que a língua é algo que serve unicamente para lamber cus e a literatura uma disciplina que deve ilustrar esta prática (com o auxílio exclusivo do restrito vocabulário em uso nos meios lisboetas onde se pratica este jogo de salão).
Para alguns puristas e literatos da lusitânia, pode parecer inusitada, abusiva e descabelada esta minha involuntária associação. Serão decerto os mesmos que se arrepiam com a parcimónia de Saramago com as vírgulas; ou que acham que Camilo, Aquilino ou Guimarães Rosa são escritores menores, ou regionais. Estes senhoritos acreditam que a língua é algo que serve unicamente para lamber cus e a literatura uma disciplina que deve ilustrar esta prática (com o auxílio exclusivo do restrito vocabulário em uso nos meios lisboetas onde se pratica este jogo de salão).
Mas, como Buñuel, tenho uma secreta confiança na justeza das minhas percepções, mesmo as involuntárias.
Vejamos: o Padre Vieira também sonhava (ele acreditava nos seus sonhos, como eu e Buñuel). Foi um sonho de Vieira que revelou a Fernando Pessoa a dimensão da sua verdadeira pátria. O Padre Vieira teve a percepção, no século XVII, de que a língua portuguesa era muito mais, muito maior do que o, já então, insignificante Portugal. Foi o entendimento desta percepção (ou a interpretação deste sonho) que fez Pessoa, já no seculo XX, entronizar Vieira como imperador da Língua e declarar esta a sua pátria.
Luandino sabe (Vieira e Pessoa também sabiam) que uma língua serve para exprimir e interpretar o mundo, por isso deve ser aberta aos povos que a habitam. Luandino ama a língua Portuguesa e a sua língua é dúctil, rica, ágil, vária, mestiça e imprevista, como os sonhos. Luandino enriqueceu-a com a frescura de novos vocábulos, sentidos e conceitos. Ao contrário do Padre, cuja erudição lhe impunha esparsas e lapidares latinadas, em Luandino a erudição manifesta-se numa consaguínea mestiçagem de referências bíblicas e Shakespeareanas com vastas, literais e aliteradas quimbundagens.
É certo que para os puristas não passa de pretoguês. Embora todos saibamos que o português é uma língua mestiça (pelo menos desde o século XVI), estes sábios desejam a literatura expurgada de toda a cor - lívida, pura e alva – deslavada como uma estátua de cemitério.
Mas claro que o entendimento que estes senhoritos fazem do uso da língua resume-se ao mútuo, alternadeiro, redundante e sempiterno joguinho de salão, tão em voga ainda, nos salões literários da capital do antigo império.
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*In “o meu último suspiro” autobiografia, Luís Buñuel
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Mas claro que o entendimento que estes senhoritos fazem do uso da língua resume-se ao mútuo, alternadeiro, redundante e sempiterno joguinho de salão, tão em voga ainda, nos salões literários da capital do antigo império.
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*In “o meu último suspiro” autobiografia, Luís Buñuel
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