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É assim a vida, e a cultura,
na Figueira da Foz.
A Figueira, convenhamos, não é
Paris, que comprou um palácio do século dezassete (o Hotel Salé) para abrigar
a colecção pessoal de Picasso, cedida ao estado francês pelos herdeiros do artista.
A Figueira nem sequer é Chaves (sim, a cidadezinha transmontana) que encomendou
ao arquitecto Siza Vieira um projecto de Museu e depois edificou-o nas margens
do Tâmega, especificamente para mostrar o espólio de um dos seus filhos mais
ilustres, Nadir Afonso. A verdade é que a Figueira da Foz nem sequer é a Tocha.
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É verdade. A Figueira da Foz
acaba de perder o espólio artístico de Mário Silva. Para a Tocha, freguesia de Cantanhede.
Até veio nas Beiras.
Segundo o filho do artista, “Tiveram
a amabilidade de acolher as obras que estavam debaixo do palco do CAE, sem as
melhores condições. Entretanto, propuseram a ideia da casa-museu e eu aceitei.
Na altura, falei com os autarcas de Coimbra e da Figueira da Foz, mas não deram
uma resposta”.
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Mas vamos lá ver do que se
trata. Então é assim: Se Mário Silva não é Picasso, nem sequer Nadir Afonso,
também é verdade que os artistas e as cidades não são como os nabos, ou como as
abóboras, não se comparam, ponto. E Mário Silva foi um artista notável, outro
ponto.
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Mário Silva teria gostado que
a cidade que escolheu para viver e trabalhar tivesse comprado um palácio para
expor as suas obras. Também teria apreciado que a Figueira tivesse encomendado
um projecto de museu a um arquitecto famoso para o mesmo efeito. Oh sim. Aposto
que teria ficado desvanecido.
A verdade é que, embora não fosse podre de rico
como Picasso, Mário Silva também apreciava a vida, o humor e a convivialidade e
também coleccionava arte.
O Mário viveu, desde os anos setenta, num casebre em
Lavos que era o seu palácio e atelier, com a mulher que amou e o filho e uma data
de bicharada entre a qual um cão mal-humorado que ele chamava pinto-da-costa.
Durante toda a sua vida produtiva foi trocando ou adquirindo obras a outros
artistas (na verdade, quase todos os seus coetâneos) disto resultando uma
colecção particular (escolhida a dedo, ao seu gosto pessoal) do melhor da arte
portuguesa da segunda metade do século vinte. É pouco?
- A isto soma-se as
obras da sua própria produção que, também como Picasso, Mário reservou para si
próprio, ou seja, que não quis vender e que correspondem ao melhor das suas
várias fases criativas.
É disto que se trata quando se fala do espólio de Mário
Silva e que o grunho imbecil (não acho palavras mais apropriadas, ajudem-me) que
é presidente da Câmara da Figueira da Foz sugeriu que fosse exposto no Museu
etnográfico de Lavos. Trata-se do mesmo acervo de obras cuja integridade ficou
ameaçada quando o furacão Leslie atingiu duramente a casa do artista e que a
Junta de freguesia da Tocha acolheu generosamente e para o qual, com a ajuda do
município de Cantanhede, vai agora criar uma casa-museu.
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Mas se os artistas não são
todos iguais, com as cidades acontece exactamente o mesmo. Há algumas, como a Figueira,
que julgam que criar polos de atractividade (no linguajar dos marqueteiros
do desenvolvimentismo sustentado figueirinhas) é licenciar a mercearia
por grosso e a esplanada à beira-mar. Ah, e também se aposta na decoração de
exteriores. Na street art. Contrataram um gajo de Setúbal para, por
apenas nove mil e quinhentos aéreos, pintar no paredão da avenida uns camarões
e uns carapaus que parecem fresquíssimos, acabadinhos de sair de um folheto do
Lidl. Lindo. Isso sim atrai turismo de cólidade. O turismo do pneu.
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A cidade não tem transportes públicos,
mas não faz mal porque com o acesso fácil ao crédito agora todo o povo das
freguesias tem transporte particular.
Assim, aos domingos, todos
os domingos quando está de sol, a cidade enche-se de automóveis. Vem cada um no
seu, ou em família, em comboinho.
Vêm ver o mar e, na volta, as
gandes supefíces.
Só páram na avenida oceânica porque não há parcómetros e nos
supermercados porque o aparcamento é grátis. E assim sucessivamente. Circulando
sempre.
Porque na Figueira não há (nem haverá) mais nada para ver.
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1 comentário:
Eis !!!
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