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terça-feira, 5 de maio de 2015

um dákar de pacóvios ou a lavoura do deserto

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A Figueira da Foz confronta-se há muitos anos com um dos efeitos mais visíveis do prolongamento dos molhes (obras projectadas pelo estado para beneficiar a navegabilidade fluvial e o acesso ao porto comercial). 
Sem responsabilidade na obra, o município ficou, desde então, com o ónus dos seus efeitos colaterais: o crescimento exponencial da sua praia urbana, a Praia da Claridade
Assim, todos os anos, em vésperas de época balnear, o município tratava de, como se diz por cá, alindar uma praia cada vez mais interminável - o que consistia em revolver, crivar  e terraplanar, por métodos mecânicos, aquelas finas areias de modo a impedir que aí medrasse a menor réstia de vegetação. 
Este deserto, esmeradamente cultivado ao longo de décadas, formatou no imaginário dos figueirinhas o postal da praia; tornou-se, com o tempo, numa espécie de imagem d’Epinal. Muitos deles não concebem uma praia com dunas e vegetação. O seu entusiasmo com o “oásis do Santana” só confirma aliás a concepção arraigada da praia como um deserto, um berço de sereias terraplanado até à rebentação.
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Por isso, a atitude sem precedentes do actual executivo camarário de, contrariando uma longa tradição, decidir deixar pura e simplesmente de subvencionar o cultivo anual do deserto, foi uma pedrada no charco que me pareceu desde logo algo realmente “fora-da-caixa”. 
E, ao deixar de “lavrar a praia”, o município permitiu-se poupar, ao que me dizem, cerca de 150 mil euros por ano (seiscentos mil num mandato, para o lobi do tractor). 
Amplamente criticado pela oposição e por um certo beautiful people que pontifica nas redes sociais, o executivo de João Ataíde resistiu galhardamente às críticas e aos remoques com o argumento de que essa simples decisão de tesouraria lhe permitiria ainda deixar crescer espontâneo um coberto vegetal natural que fixaria as areias (protegendo a avenida do assoreamento sazonal pelos ventos) e potenciaria a prazo a consolidação de novas áreas aprazíveis, aproveitáveis para a fruição dos cidadãos. 
Parecia-me um “ovo de colombo”, tão simples e evidente que era um espanto que nunca ninguém se tivesse lembrado de tal – não só sensato e avisado, mas genial - o verdadeiro sonho molhado de qualquer autarca minimamente honesto e inteligente numa época de vacas magras: a possibilidade de “fazer obra” sem gastar um chavo do erário público.
Estive mesmo para escrever e publicar (neste blogue, where else) um preito de desagravo ao executivo municipal quando correu nas redes sociais uma petição ao senhor presidente para que se dignasse “limpar a praia” (sim, porque para este beautiful people a vegetação que cresce no areal é uma “prcaria”, “uma vergonha”).
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Ainda bem que o não fiz. Porque não há boa-vontade que não colida com a estupidez mais explícita. 
-João Ataíde tomou duas decisões e uma atitude que o devem reconciliar de vez com a oposição e com a turba de labregos que o destratam nas redes sociais: ao tomar conhecimento de que a Agência Portuguesa do Ambiente (APA, ou lá o que é) aprovou o projecto de requalificação do areal urbano da Câmara Municipal, esta apresta-se para lá edificar “uma pista de atletismo, uma via mista para ciclistas e peões, um novo parque de skate” e, entre outras obras realmente estruturantes, soterrar as valas do vale do Galante e de Buarcos (o que deve significar, suponho, o emanilhamento dos esgotos que desembocam na ante-praia directamente para a rebentação, numa solução ecológica certamente do agrado do bom povo das redes sociais). E, numa “segunda fase” virá “uma piscina”, um anfi-teatro redondo” e, segurem-se, uma “ala das artes”. Tudo na ante-praia.
-Depois, João Ataíde admitiu candidamente, em assembleia municipal, que ele próprio também não gosta de ver a erva na praia.
Mas não é só. 
-O executivo que, resistindo a imensas e insanas críticas e dixotes, “investiu” pacientemente na criação espontânea de um coberto vegetal autóctone na ante-praia, acabou por autorizar para lá uma concentração de veículos todo-o-terreno- um cumbíbio, motorizado. Nem mais. 
A oposição, a restauração (que adoram eventos) e os pacóvios amantes da higienização balnear devem estar que nem podem de contentamento. Eles adoram veículos todo-o-terreno; se pudessem todos teriam um, mas como não podem devem ter lá ido em romaria só para os ver de perto. E como eram às centenas, deve ter sido uma autêntica orgia a céu aberto, uma liturgia, uma missa campal em louvor do ambiente e do motor a diesel, com milhares de labregos a apascentarem alegremente os veículos enquanto estes lavravam as finas areias, berço de sereias.
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Não há pachorra. Vá-se foder, senhor presidente.
E leve consigo todos os seus cinco vereadores,
e a oposição,
e os milhares de labregos que se sentem vexados porque nascem tomateiros na praia mas não se sentem indignados pela “erecção” do busto de Aguiar de Carvalho à porta do município (não o acham obsceno); nem atingidos com o fecho da maternidade (não a acham necessária); nem ofendidos por o seu hospital público funcionar dentro de um parque de estacionamento privado (não acham ultrajante). A estes pacóvios nunca ocorreria assinar petições contra nada disto. Nem sequer a favor, por exemplo do cultivo da várzea (não o acham estruturante), ou da reflorestação da serra (não a acham imperativa). Porque nada disto os afecta. 
O que realmente os tira do sério é o que vegeta na praia. A cultura do deserto.

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(clicar para ver melhor)
*Ao tomar conhecimento desta notícia (da edição do “jornal” As Beiras do dia 22 de Abril) também fiquei a saber várias coisas que não sabia.
-Em primeiro lugar, que a Figueira possuía um canil municipal (pensava que a actividade já tinha sido toda entregue à iniciativa privada);
- em segundo, que o município necessita que alguém lhe aponte os locais onde existem lixeiras a céu aberto no concelho (pensava, oh santa ingenuidade, que além de mais de uma dezena de presidentes de Junta de Freguesia, o município também tinha fiscais para o efeito);
e, last but not least, fiquei desvanecido por o município estar interessado em apoiar esse desporto popular (ou laifestaile ou lá o que é) amigo do ambiente e dos animais que é o todo-o terreno.

Há coisas do caralho não há? Quero dizer, fantásticas.
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1 comentário:

platero disse...

YANIS VAROUFAKIS PARA Mª.LUIS ALBUQUERQUE
(ao ouvido)
:
"ou aprendes a dizer o meu nome
ou dou-te dois murros no focinho"

(sugestão para desenho -abraço)