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domingo, 21 de setembro de 2014

Paulo José Miranda


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soubesse o humano isto

a morte não é uma praia longínqua
à qual se adia a viagem eternamente
acabando sempre por não ir

e jamais teria criado as três máquinas
que fazem rir o universo

tempo é dinheiro
deus existe
e
aquela que mais estremece as galáxias e as estrelas distantes
a matemática descreve o mistério

Paulo José Miranda
exercício 50, in Exercícios de humano.
Abysmo, Lisboa 2014


A propósito de literatura, de grande Literatura, acabo de descobrir Paulo José Miranda.
Comprei no supermercado (desgraçadamente, na terra que habito não existem lojas da especialidade) um pequeno livro invulgar. Parece um caderno de apontamentos; ou de exercícios. E é. Trata-se de um livro de poemas. São 101, como os dálmatas. Só que estes não são bem para sensibilidades de menina. São 101 dolorosamente lúcidos exercícios de humano. Contidos. Reflectidos. Contundentes. Devastadores - como cento e um murros no estômago; ou outros tantos pontapés nos tomates.
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Paulo José Miranda foi o primeiro prémio Saramago. Depois desapareceu. Ao contrário dos tordos, dos peixotos, dos hugos-mães e de outros “accionistas da própria propaganda” - ícones de uma certa literatura de massas, “laite”, ou de supermercado - Paulo nunca teve promoção com turnê organizada, nem convite para escrever em jornais e revistas de referência (ele acha que sabe porquê – “tem a ver com a compreensão, muito correcta, do que é a minha escrita”). Foi-se embora. Mas, ao contrário de Camões, não voltou nem vive da tença. Está agora no Brasil, onde foi descoberto por João Paulo Cotrim, da editora Abysmo, que lhe está a editar a obra.
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Herberto Helder disse dele que é o único dos novos escritores portugueses que consegue ler. Acho que percebo porquê. Deve ser pelas mesmas razões por que Van Gogh dizia de Rembrandt que este pintava “como um ressuscitado”.
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2 comentários:

cid simoes disse...

Eu, garimpeiro dessa poesia, tenho que encontrar o livro.

Judite Castro disse...

Eu também vou à procura