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quinta-feira, 22 de maio de 2014

António José Forte

Outros antes de nós tentaram o mesmo esforço: dente por
dente: não, nunca olhar de soslaio e manter a cabeça escar-
late, o vómito nos pulsos por cada noite roubada; nem um
minuto para a glória da pele. Despertar de lado: olho por
olho: conservar a família em respeito, a esperança à distância
de todas as fomes, o corno de cada dia nos intestinos. Aos
dezoito anos, aos vinte e oito, a vida posta à prova da raiva e
do amor, os olhos postos à prova do nojo. Entrar de costas no
festivaI das letras, abrir passagem a golpes de fígado para a
saída do escarro. Se não temos saúde bastante sejamos pelo
menos doentes exemplares. 
Fora do meu reino toda a pobreza, toda a ascese que gane 
aos artelhos dos que rangem os dentes; no meu reino apenas 
palavras provisórias, ódio breve e escarlate. Nem um gesto de 
paciência: o sonho ao nível de todos os perigos. Pelo meu .
relógio são horas de matar, de chamar o amor para a mesa
dos sanguinários.
Dente por dente: a boca no coração do sangue: escolher
a tempo a nossa morte e amá-Ia.
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António José Forte, in Uma Faca nos Dentes
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1 comentário:

cid simoes disse...

Textos destes dão força à raiva que se acumula. Já publiquei vários poemas do António José FORTE.