.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

O comunista morto

.

Isto é um país de infâmias. Diz-se que Portugal está prosperando. De feito, isto é um país rico, o país do provérbio, que é senhor de todo o mundo porque não tem vergonha. Esta coisa que encomiamos como liberdade, bem definida, é o indiferentismo que vem de par com a grande corrupção. Não queremos república, porque não queremos que nos remexam a latrina. Fazemos parede com o rei porque ele é digno de nós e está bandeado com a nossa porca existência.
Camilo Castelo Branco, 11 de Março de 1873 (carta ao visconde de Ouguela)
.
Sábado, 14 de Dezembro de 2013
Tudo leva a crer que a criação do novo partido desquerda, o LIVRE, não terá satisfeito todas as expectativas. Os comunas, esses malvados, continuam a subir nas sondagens.
Carvalho da Silva vai, também ele, lançar um movimento. Desquerda. O jornal do inginheiro Belmiro já deu a conhecer o novel movimento cujo “objectivo - segurem-se - é a unidade de esquerda para influenciar um futuro governo. O manifesto é divulgado para a semana. A ideia é juntar famílias políticas diversas, do BE ao LIVRE, passando por católicos e ex-PCP”.
.
Segunda-Feira, 16 de Dezembro de 2013
Ah, espera aí, afinal não é verdade. O proprio Carvalho da Silva desmentiu – que não lançou nem pretende lançar nenhuma espécie de movimento - disse ele à Lusa.
.
Terça-Feira, 17 de Dezembro de 2013 - 
Não. Afinal sempre é verdade. Carvalho da Silva (embora contrariado, dizem) é um dos subscritores do tal manifesto. “Nesta terça-feira, na apresentação do Manifesto 3D, em Lisboa, Carvalho da Silva não apareceu. Mas o seu nome aparece em 48º lugar na lista organizada por ordem alfabética dos 65 subscritores iniciais do documento”, todos muito estimáveis, todos muito importantes, todos muito conhecidos (da têvê), todos muito ex-qualquer coisa (ex-PC, ex-PS, ex-BE, ex-PRP, etc.) enfim, todos muito desquerda e sem filiação partidária.
.
Trata-se portanto de um movimento realmente unitário. Um autêntico rassemblement, só que desquerda. Não sei se estão a ver. E não deixa ninguém para trás, pois também apela aos católicos desquerda e, imaginem, aos abstencionistas desquerda, coisa que eu nem sabia que existia. Mas não há nada que não exista neste país. Diga-se, por exemplo, que em Portugal não há família que não tenha a sua ovelha negra - uma prima que se portou mal, um tio idiota ou excêntrico – por isso é natural que as famílias políticas desquerda também tenham os seus marginais: são os que se abstêm, os que não querem saber, os sem-abrigo desquerda.
.
Já Mário Soares - o gaveta-funda, lembram-se? - é um político bem-abrigado, que tem ultimamente apostado na muito ecuménica ideia de federar as esquerdas. Apesar de achar que um comunista bom é um comunista morto, Soares não se importa nada de até elogiar os comunistas (já elogiou, por exemplo, Álvaro Cunhal) mas - e é aqui que reside a sua intransigente coerência - só o faz desde que estejam mesmo mortos.
Talvez tenha sido por isso que um belo dia dirigiu rasgados encómios a Carvalho da Silva, quando este ainda era sindicalista.
.
Mas agora Carvalho da Silva é professor universitário e investigador. E, para Soares, um príncipe encantado. Ou melhor, uma espécie de novo condottiere, mas desquerda. Mas não daquela esquerda que quer a sociedade sem classes e justiça, saúde e educação e oportunidades iguais para todos, não. Nem da que pretende uma maioria, um governo e um presidente, que é a única via de tornar tudo isso (ou parte) possível. Não - trata-se de uma esquerda diferente. Mais maneirinha. Mais fluidazinha. Enfim, mais pífia. Esta é uma esquerda que não pretende mudar nada. Muito menos perturbar os mercados.
O seu único desígnio confesso é “influenciar um futuro governo”. Exactamente. O sonho molhado de Soares.
.

2 comentários:

Judite Castro disse...

Gostei :)

cid simoes disse...

O Sr. Carvalho já se vê como um Lula, também da Silva, sem se aperceber(?)que vive entre polvos.