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Quem, como eu, faz da prática do desenho um método
quotidiano de reflexão sobre o mundo tem uma relação, de certo modo
privilegiada embora quase sempre embaraçosa, com os seus maiores cultores – os mestres.
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Os velhos mestres não se limitaram, como
simples poetas, a dar uma visão impressionista da cor local e do estado do tempo, no seu
tempo. Foi antes como filósofos que, através do raciocínio, da reflexão e do cálculo se “apoderaram” da sua época - e até do tempo e do seu estado - os seus desenhos são uma espécie de “visão
global” ou expressão “canonizada” disso mesmo.
Matisse, por exemplo, dizia mesmo que o desenho é a expressão da posse das
coisas: “Um desenho não será a síntese, o final de uma série de
sensações que o cérebro reteve, reuniu, e que uma nova sensação acciona, de tal
modo que eu executo o desenho quase com a irresponsabilidade de um médium?” Ele encarava o desenho “não
como um exercício de destreza particular, mas sim como um meio
de expressão de sentimentos íntimos e descrições de estados de alma”; os seus desenhos
funcionam “como meios simplificados para dar mais espontaneidade à
expressão”.
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Creio que esta relação com o desenho é
cada vez mais rara. O entendimento do desenho como uma disciplina que permite a
apreensão do sentido profundo das coisas,
praticamente não existe já na chamada arte contemporânea. Noto mesmo que entre
pintores, a prática do desenho é encarada hoje com ostensivo desprezo. A arte contemporânea
deixou de ser uma linguagem com vocação universal, para passar a ser um
dialecto restrito, muito difundido mas pouco entendido.
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Estamos longe dos tempos de Giotto,
Brunelleschi, Miguel Ângelo, Leonardo, Dürer, Rembrandt, Goya, Daumier, Seurat, Klimt, Schiele,
Posada, Matisse, Picasso, ou Hockney; demiurgos que se
apossavam, através do desenho, de tudo o que viam.
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É por isso que a notícia de uma
exposição de desenhos “perdidos” de Auguste Rodin me deixa entusiasmado. Também ele
pertence a essa longa linhagem de grandes mestres para quem, como referia
Ingres, “o desenho é a probidade da arte”.
A foto, de Edward Steichen, é
de 1902. Também é magnífica.
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