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quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Cândido no cruel e absurdo teatro do surrealismo figueirinhas

Sempre existiu grande demanda por novas mediocridades.

Em todas as gerações o gosto menos cultivado é o mais apreciado

Thomas Bailey Aldrich

.Li recentemente, já não sei onde, que Jorge Luís Borges escreveu algures que a coisa mais superficial de um homem são as suas opiniões.

Eu também sou dos que pensam que o que um homem acha diz menos dele do que o que faz. Dificilmente, por exemplo, eu concordaria com algumas opiniões de Cândido Costa Pinto. O que não me impede de, facilmente, apreciar quase tudo o que ele fez.
.A importância de um artista afere-se pela quantidade e qualidade de novos signos (conceitos) que introduz no léxico da arte do seu tempo. Neste sentido, Cândido Costa Pinto foi um dos mais notáveis e influentes artistas portugueses do século vinte.
Todavia e apesar de, entre especialistas e entendidos, isto ser pacífico, o facto de ter sido um artista inquieto e difícil de catalogar e, confessadamente, “um homem complicado” tem contribuído, juntamente com a conhecida tradição portuguesa de incensar mediocridades, para adiar o merecido reconhecimento público que a relevância do seu contributo para a linguagem da arte em Portugal justifica; este género de coisas não é contudo muito incomum na história da arte: Rembrandt, por exemplo, só foi “descoberto” no século dezanove e Caravaggio, apenas no fim da segunda guerra.
."Entre o início dos anos 20 e o início dos anos 70, Cândido Costa Pinto desenvolveu uma obra imensa, explorando com notável virtuosismo diferentes suportes meios e linguagens, da pintura à publicidade, da caricatura à arte mural.
Entre 1941-1949 trabalhou para a Companhia Portuguesa de Higiene como designer gráfico, publicitário e director dos serviços de tipografia da companhia, destacando-se pela utilização frequente de suportes pobres (platex, contraplacado, cartão) na produção das suas obras.

Em 1949 começa a colaborar com os CTT (ligação que durará até 1972), renovando a linguagem gráfica da arte postal portuguesa e educando uma nova geração de artistas (João Abel Manta, José Pedro Roque Martins Barata, Sebastião Rodrigues) que se lhe seguirão. De igual modo, a Costa Pinto se deve uma importante acção da evolução gráfica ao nível editorial (magníficas as capas dos livros das colecções Vampiro e Argonauta) e do cartaz, sendo a par de Victor Palla e Fred Kradolfer um dos maiores impulsionadores da renovação gráfica portuguesa dos anos 40 e 50.

Investigador e teórico, alguns dos seus textos são exemplos excelentes de uma consistente reflexão crítica sobre a função da arte, do design e da comunicação (leia-se o actual “Sabe anunciar bem?” Diário Popular, 2 de Setembro de 1945 ou o fundamental “Surrealismo, arte e política” escrito no Brasil em 1969). Lúcido e empenhado politicamente, no catálogo da exposição de 1951 no SNI escrevia que “se o pintor tem fundamentalmente dever de pintar bem, acompanhar de perto os problemas gerais da sua geração é também da sua obrigação.”
Esquecido durante a década de 1980, a Fundação Calouste Gulbenkian dedicou-lhe uma importante exposição retrospectiva em 1995. Porém, nos últimos dez anos, Costa Pinto, “um homem complicado” (como a si próprio se retratou) e um artista gráfico notável voltou a cair num desconhecimento tão incompreensível quanto injusto."
(Aqui)

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Contudo, no ano do centenário do seu nascimento, o Museu Municipal Santos Rocha fez-lhe uma pequena mas digna exposição comemorativa com obras do seu acervo - onde consta o primeiro quadro abstracto da pintura portuguesa e inúmeros desenhos originais, oferecidos pela sua viúva - que foi miseravelmente desacompanhada de correspondente promoção mediática.

É também uma lástima que - tendo tão certeiramente apontado a ausência de “política editorial” do anterior executivo na sua obra “Figueira da Foz – erros do Passado, soluções para o futuro” onde, a págs. 84,também frisava a importância da reedição de “clássicos figueirenses” já esgotados, António Tavares, o vereador que tutela os serviços culturais do município tenha perdido, com o centenário do artista, um belo ensejo de o fazer - “relançando”, em pequeno opúsculo que fosse, os textos teóricos e as reflexões críticas de Cândido Costa Pinto, tão “actuais” como aquele sobre a “função da arte, do design e da comunicação” ou mesmo “fundamentais”, como o “Surrealismo, arte e política”.
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Em contrapartida, o pelouro da cultura festejou, com hossanas, fanfarras e uma exposição de gris-gris e cadáveres esquisitos, no CAE, o 80º aniversário natalício do dramaturgo espanhol Fernando Arrabal, dois anos antes do dito, por razões “de oportunidade”. É bom que se saiba que o bom do Arrabal não tem nada que ver com isto (nesta estória surrealista figueirinhas ele faz apenas o papel de cadavre exquis) - a única afinidade que o fundador do Teatro Pânico – movimento influenciado pelo surrealismo, mistura de cruel e absurdo - tem com a Figueira da Foz é o facto, talvez não despiciendo, de ter aprendido as primeiras letras em Ciudad Rodrigo, cidade que, como se sabe, é geminada com a Praia da Claridade.
.Resta ainda saber que, no centenário do nascimento de Cândido Costa Pinto e quase quarenta anos depois da sua morte, em S. Paulo, Brasil, não há na Figueira da Foz uma praceta esconsa, um beco sombrio ou uma rua, mesmo escura, com uma placa, ainda que singela, que perpetue a memória de um dos maiores e mais injustiçados artistas portugueses do século vinte..

A sua terra natal continua, impávida, a honrar a mui vetusta tradição portuguesa de incensar mediocridades..

A minha opinião, se a quereis saber, é que andou bem Cândido, ao deixar-se morrer longe.
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4 comentários:

Isabel disse...

Correção:
O Museu Municipal Dr. Santos Rocha foi projetado por Isaías Cardoso, e não por Alberto Pessoa. O seu a seu dono!

Fernando Campos disse...

Minha cara senhora,
adoro as pessoas atentas ao pormenor (esse não é o assunto do post, como deve ter reparado)pois a verdade está no detalhes.
No entanto, e sem querer parecer indelicado, sempre lhe digo que também acho que o seu a seu dono deve ser dado. Por isso olhe, não aposto mas "ateimo": o projecto do museu é bem de Alberto Pessoa.basta compará-lo com o Centro de Arte Moderna da Gulbenkian para concluir que saíram ambos da mesma prancheta.
Todavia e embora o site do museu Municipal seja omisso nessa matéria (espero que não seja segredo municipal ou assim) pode ver aqui http://www.monumentos.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=23967
ou nesta entrevista do antigo presidente da Câmara, que em nenhum momento se refer ao arq. Isaías Cardoso, aqui: http://www.ofigueirense.com/27outubro2006/reportagem/default.htm
Em todo o caso, se me demonstrar a autoria do Arquitecto Isaías Cardoso concerteza que terei todo o gosto em corrigir o alegado erro.

Isabel disse...

Senhor Fernando Campos:
Não tinha intenção de lhe responder porque eu sei do que falo, não preciso de lhe provar nada (sobretudo o que é por demais conhecido!) e não me interessa minimamente que faça ou não correções ao seu post! Estava mesmo para o deixar a “ateimar” sozinho! Mas como numa pesquisa de 5 minutos no Google encontrei a resposta, aqui vai!

http://museu.marinha.pt/NR/rdonlyres/55E273E5-7E60-44DB-A1B5-05CCD6003383/0/gammamuseuffoz.pdf

EDIFÍCIO E EQUIPAMENTOS
Edifício :
Descrição:
O edifício engloba o Museu (5.474 m2), a Biblioteca, o Arquivo
Histórico, o Arquivo Municipal e o Auditório Municipal, dispostos em
alas distintas e autónomas.
Construído de raiz:
Ano: 1975 (Ano da conclusão)
Arquitecto José Isaías Cardoso.

E ainda:
http://lugarparatodos.blogspot.com/2006/06/homenagem-ao-arquitecto-isaas-cardoso.html

Como “o projecto do museu é bem de Alberto Pessoa.basta compará-lo com o Centro de Arte Moderna da Gulbenkian para concluir que saíram ambos da mesma prancheta”, se calhar o arquiteto Isaías Cardoso fez plágio!

Fernando Campos disse...

cara Isabel,
fez bem em reparar um erro, de facto grosseiro, do qual me penitencio amargamente. O facto é que estava convencido (sabe-se lá porquê) que a data da construção teria sido bastante anterior.
O que prova que, infelizmente, o auto-convencimento baseado em premissas erradas dá quase sempre lugar a convicções patéticas e injustificáveis.
Peço-lhe sinceramente desculpas, e ao visado.