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sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

O que é a arte?




“Nada pode ser criado sem a solidão.
Criei em meu redor uma solidão que ninguém calcula.
É muito difícil hoje em dia estar-se sozinho, pois existem relógios.
Já alguma vez viu um santo com relógio?
Não consegui encontrar nenhum, mesmo entre os santos
que são considerados os santos padroeiros dos relojoeiros.”
Pablo Picasso

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Tomei recentemente conhecimento através do varal de idéias, de Eduardo Lunardeli (link aqui ao lado) de um curioso manifesto artístico que desconhecia por completo.
O Hartismo (suponho que fartismo, em português), é um movimento que começou na Galiza e agora, graças à internet, já ganhou outras paragens. Depois dos manifestos das vanguardas do início do século vinte, este é um manifesto de artistas que estão fartos (hartos) da arte oficial, da tutela dos galeristas, críticos, comissários e curadores que sazonalmente prescrevem o que vai ser a arte aceitável. Estão fartos da tirania do conceito sobre o saber oficinal.
Li o manifesto com atenção e estou de acordo com quase tudo. Mas, embora também esteja farto de Duchamp e da imensa blague em que se tornou a arte actual (veja-se os mais recentes premiados com o Turner e a última cegada de David Cerny), receio não poder ser um fartista.
Porque este movimento me parece muito mais corporativo do que artístico. O seu manifesto parece-me uma proposta de movimento pró-guilda. Acho muito redutor conceber a arte de hoje como um exclusivo das técnicas tradicionais (pintura, desenho, gravura, etc); acho redutor e uma nova espécie de academicismo, conceber o artista de hoje unicamente como alguém cujo trabalho se enquadra dentro destes moldes tradicionais de criação. Por estes critérios, artistas refractários às técnicas convencionadas, como Van Gogh ou Cézanne ou Picasso ou Giacometti, dificilmente seriam considerados dignos desse estatuto.
Creio que deve ser sempre o público a conceder a um artista o estatuto. Isso requer liberdade. Convenhamos no entanto que o público de um artista não é sempre, necessariamente, o do seu tempo físico.
Veja-se o caso de Gustave Courbet. No seu tempo, a pintura aceite eram alegorias vaporosas de anjinhos e baboseiras. Ele era um artista tão auto confiante nas suas capacidades técnicas que dizia que apenas pintava o que via. “Mostrem-me um anjo, que eu pinto-o”.
Em 1846, não tendo sido aceite no Salão (que era onde expunham à época os artistas recomendáveis), Courbet construiu um pavilhão onde cobrou entrada a quem quis ver as suas obras. Foi a primeira exposição individual da história da arte.
Passados 159 anos disto e cem dos manifestos vanguardistas do início do século vinte, eu continuo sem saber (ninguém sabe) o que é a arte, mas creio que deve ser algo que tem que ver com liberdade. E receio que também com solidão.
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Ao alto, “a origem do mundo”, de Gustave Courbet.
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2 comentários:

Anxo Varela disse...

Olá, sou Anxo Varela, um dos fundadores do Fartismo. Antes de nada quero agradecer-te dar a conhecer o movimento fartista em português, pois ainda não dispomos duma tradução do manifesto à vossa/nossa língua mãe.

Entendo a tua objecção, mas dou fé que as coisas não são como pensas no nosso colectivo. Entre os fartistas há também escultores, músicos, poetas, escritores em prosa, arquitectos, amas de casa, obreiros da construção, e mesmo artistas do teatro de improvisação (ou performers se preferes), directores de cinema e vídeo (alguns dos quais poderíamos chamar video-artistas).

O fartismo não é um lugar para o ressentimento nem uma reserva de artistas tradicionais nem muito menos o partido dos que aspiram à volta gloriosa do academismo pompier de Cabanel e Bouguereau (de feito já existe tal partido). O fartismo declara-se a favor tanto da tradiçao como da avangarda.

Muitos de nós admiramos a Picasso -eu mesmo- e mesmo ao Picasso último que pintou essas maravilhosas "Meninas" e pombas sobre cartão, ou a Rauschemberg, e temos em geral certa simpatia pelo Dadá, não tal pelos seus epígonos actuais.

O fartismo é muito aberto na questão estética. Até o ponto de que não propomos estilo nenhum. Só rejeitamos o conceptualismo, pois a nossa opinião é que a arte é fundamentalmente formal, e não só conceptual. O único que une a todos os fartistas de diversas cidades e ideias estéticas, políticas, etc, e o compartir o apoio ao Manifesto. O demais, como todo o que está vivo, é lógico que seja discutido. Mesmo o Manifesto precisa -e isso que é bem longo- aclarações, se não fosse assim não existiria a página de F.A.Q., os blogues fartistas, etc.

Um saúdo desde Galiza, e felicitações tanto pelos teus desenhos como por este blogue teu, no que levo lendo mais de media hora. Vou engadir-te aos meus favoritos!

Anxo Varela disse...

Estava a pensar em Hundertwasser, para muitos de nós é uma espécie de precursor do Stuckismo e Fartismo. E penso que este artista é todo menos convencional.

De facto, hoje o convencional é ser "interdisciplinar" palavra moderna que vem significar o que toda a vida foi ser artista. Ou é que Miguel-Ângelo não era interdisciplinar?