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sábado, 23 de agosto de 2008

A cadeira Φ (F)


Há algo que persegue todos os pintores: a busca de uma receita para que “o todo seja igual à soma das partes", a sempre almejada sensação de equilíbrio e harmonia: o número de ouro. A Divina Proporção. O pintor Mário Silva achou esse princípio nesta minha pintura de 2003.
Segundo Leonardo, nada obedece tanto à Divina Proporção como o corpo humano. E quase nada serve tanto o corpo humano como uma cadeira.
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A exemplo do arquitecto Le Corbusier (que estudou a arquitectura clássica, desenhou mobiliário e se interessou pela secção áurea), eu também quis conceber uma cadeira observando esse princípio.
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Dizem que Le Corbusier considerava as formas das modernas latrinas de fabrico industrial “mais belas do que as da Vitória da Samotrácia”, dito que lhe é atribuído para ilustrar o seu apreço pela utilidade - “Só o útil é belo” - e o seu desprezo pelo ornamento. O seu desvelo pelo útil ia ao ponto de, coloquialmente, se referir a objectos úteis como máquinas (coisas que "servem para"), por exemplo, uma casa era uma “machine a habiter”; uma latrina “une machine a chier” e uma cadeira… Uma “máquina de sentar”.
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Esta cadeira, a que chamei cadeira Φ (F) porque concebida sob o signo de Fídeas e do rectângulo áureo, possui também - através de alguns elementos quase ornamentais, que são referências ou alusões subliminares - um vago ar de máquina, ainda que primitiva.
É que, se os sovietes eram o comunismo + a electricidade, a minha cadeira é a divina proporção + um certo sentido da bizarria, quero dizer, o sentido do humor.
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Devo acrescentar que, para conceber esta cadeira, criei o meu próprio modulor (um sistema geométrico de proporções). Só que ao contrário do de Le Corbusier, a minha medida de referência fui eu próprio (o Homem é a medida de todas as coisas): helas, uns centímetros a menos do que o 1.83m do homem ideal do grande arquitecto… Não se pode ter tudo.
A cadeira Φ pode não ser tão bela como uma cadeira de Le Corbusier, mas é tão útil e certamente mais bela do que, sei lá, uma latrina da Samotrácia. Para mim, que a concebi, possui um je ne sais quoi da convulsa e derisória beleza dos surrealistas.
Esta beleza bizarra, construída em madeira de pinho e aço zincado, está na minha sala, à mesa das refeições. A ser útil. Eu cá acho que o útil, além de belo, não tem que ser chato. Quero dizer, aborrecido.
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