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domingo, 23 de dezembro de 2007

um conto de Natal


Em 2005, aliciado por Mário Silva, participei numa iniciativa do jornal As Beiras, que se consubstanciou na publicação, num suplemento de 54 páginas da edição de 16 de Dezembro, de uma série de contos e depoimentos de pintores sobre o Natal. 
Assim o meu conto foi publicado entre os dos artistas que se seguem: Alves Martins, Zé penicheiro, Mário Silva, Cunha Rocha, Pedro Olayo, José Daniel Abrunheiro, Oscar Fragoso, Vítor Matias, Cristóvão de Aguiar, Seixas Peixoto, Santiago Ribeiro, Jacqueline Moys, Eduardo Esteves, Chuva Vasco e Ramiro Calouro. 
A ilustração concebi-a aqui no paint, um destes dias, quando me lembrei de repescar e reeditar este pobre



conto de natal





Escrever um Conto de Natal, quando se é pintor e nunca se escreveu nada senão pequenos apontamentos, tem que se diga! Ainda por cima para o dia seguinte! 
“Tem que ser, pá. Vá lá…”
Só mesmo recorrendo à memória e não apenas à imaginação, que já vou tendo idade para isso.
O conto que vou pôr (como se diz na minha terra), remonta à minha infância e o “causo” que relata tem, talvez mais do que qualquer outra coisa, que ver com a minha futura paixão pela pintura, pela arte – pela representação das coisas.
Tudo se passa noutro hemisfério, em África, onde as noites são mornas, intensas de ruídos misteriosos.Não tenho toda a certeza que tudo se tenha passado na época do Natal, mas a minha “memória afectiva” diz que sim. Associo estes factos ao calor e mistério das noites de Natal.
Já não me recordo porque motivo meus pais me deixaram para jantar em casa desse senhor idoso, de origem goesa, amigo da família e aposentado do serviço público, onde teria tido um cargo de responsabilidade na Fazenda Pública (como então se dizia). Viúvo, com dois filhos solteiros e boémios, sempre ausentes, vivia uma existência algo solitária.
Nessa noite teria a companhia, para jantar, de um menino de oito anos, ingénuo e espantado ao entrar naquela sala de jantar repleta do mais magnífico conjunto de objectos que já tinha visto e que eu hoje creio que fossem as suas memórias - relíquias de um homem velho, vivido e endurecido nas vivências do Império Colonial Português, então já em declínio: tecidos, ráfias, manipanços, esculturas, escudos em pele e lanças cruzadas, máscaras, relicários, quadros – que quadros! Nunca mais vi vermelhos tão francos, intensos e luminosos como nessa noite iluminada por uma única lâmpada mortiça!Não me recordo, hoje, de quase nada do que me contou durante o repasto; nem sobre a sua infância goesa nem de nenhum episódio das “guerras negras” da sua juventude, das quais alguns daqueles objectos eram óbvios troféus. Mas não esquecerei jamais a impressão que causaram na minha mente de oito anos. Essa impressão, que me marcou tão estranha e intensamente e que ainda associo aos mistérios de Natal é, talvez, responsável pela minha fascinação das coisas representadas, pela arte, pela vida.
Quando saí para a noite amena de ruídos de animais nas suas labutas misteriosas, achava-me alegre, estranhamente eufórico, como se algo me tivesse sido revelado…É essa alegria (ou pelo menos, um seu reflexo) que eu procuro todos os anos nesta quadra, noutro hemisfério - quando, à noite, muitas vezes o que sobrevém é o frio, o desconforto e a melancolia.
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1 comentário:

Anónimo disse...

Ena lá! Tanto Figueirense junto, pá!

Vou já fugir daqui...!!!
Há faneca linda, há camarão e picha fresca, há-os-há-os!!!